“Queria muito acordar… Isso aqui foi só um pesadelo e pronto”. A frase é do ex-policial militar Paulo Roberto Teixeira Xavier, que aos 52 anos diz viver num “looping”, naqueles minutos que levou para percorrer os cerca de 5 km do trajeto entre a casa onde morava com os filhos, no Jardim Bela Vista – bairro nobre de Campo Grande – e a Santa Casa. Era começo da noite de uma terça-feira, quando o filho dele, Matheus Coutinho Xavier, foi fuzilado, aos 19 anos. Os tiros de AK-47, segundo investigação policial, eram para o pai.
“A gente até perde a noção do tempo. Minha vida é trabalhar, trabalhar, trabalhar para ocupar a cabeça”, revelou Xavier em entrevista ao Campo Grande News, a uma semana do início do julgamento de Jamil Name Filho, acusado de ser o mandante da execução. A partir do dia 17 de julho, além de Jamilzinho, outros dois réus pela morte de Matheus vão a júri popular – o ex-guarda municipal Marcelo Rios e o policial civil aposentado Vladenilson Daniel Olmedo, os “gerentes” de organização criminosa com características de máfia, conforme apontou a Operação Omertà.
Camisa e blazer bem passados não escondem o semblante de um pai arrasado, que se lembra com orgulho da curta trajetória do filho e não se deu a chance de viver o luto em sua totalidade nos últimos quatro anos. Ainda. “Primeiro quero resolver isso daqui”, define, sobre a guerra que travou, desde que recebeu a notícia da morte do garoto, para ver os culpados punidos pelo crime.
Paulo Xavier se lembra como se fosse hoje daquele comecinho de noite. Conta que estudava na sala de casa, como de costume. Policial reformado aos 47 anos, ele pretendia passar em concurso público.
“Achei que era rojão, porque estava com fones de ouvido. Saí e vi meu filho todo ensanguentado. O coloquei no banco de trás e saí em direção à Santa Casa, passei por cima de canteiro na Afonso Pena, na Mato Grosso… Meu filho respirando e eu conversando com meu filho. Falando que o amava, que a gente estava indo pro hospital, para ele aguentar, para ele não se entregar. Eu ouvi os últimos gemidos do meu filho. Gemia e tentava respirar”, descreve.
“PX”, como chegou a ser conhecido, conta que a notícia devastadora chegou em minutos. “Quando cheguei lá, ele ainda respirava. Levaram lá pra dentro e daqui a pouco, veio a psicóloga. Aí… veio a psicóloga…”, se recorda, sem evitar a emoção.
Para o pai, não é clichê revelar que aqueles minutos no trânsito e na porta do pronto-socorro pareceram uma eternidade. “E eu vivo isso até hoje”, completa.
“A vida da mãe do Matheus acabou. Chora o tempo todo, tem depressão profunda. Todos eles fazem tratamento psicológico”, também conta sobre o trauma que a partida trágica deixou para a família.
Quem era Matheus? – Além do terror de ver a vida do filho escapando entre os dedos, Paulo Xavier convive há pouco mais de 1,5 mil dias com a saudade, “que só aumenta”, diz.
Algumas vezes, tem até dificuldade de se referir a Matheus no pretérito. “Ele conseguia reunir todas as tribos. Um menino único, de coração bom, maravilhoso. Eu me dava e ainda me dou (não entendo como ele partiu) muito bem com meu filho. Todos os dias eu sinto falta”.
O jovem universitário deixou boas lembranças, do companheirismo e bom humor. “Meu filho, meu amado filho. Morava comigo. Meu amigo, meu parceiro. A gente jogava xadrez juntos, estudava juntos e era muito gostoso. Meu parceiro de estudo, de carreira, de assistir filme. Gostava de achar os erros em filmagens. Quanto mais ridículo o filme, mais ele gostava”.
Acadêmico do 2º ano de Direto, Matheus sonhava em ser promotor de Justiça. O sonho do estudante era estar num Tribunal do Júri, como o que acontecerá nos próximos dias, lembra o pai. “Ele tinha muita eloquência, era um menino inteligente, bem relacionado. Queria ser promotor e olha onde ele vai ser citado, num júri”.
Ainda buscando explicações impossíveis para o destino do filho, Xavier fala em missão. Para o policial aposentado, a execução do jovem foi a derrocada da família que, por quatro décadas, mandou e desmandou em Mato Grosso do Sul.
Não me resta outra coisa a não ser acreditar numa permissão divina, para acontecer isso com ele, para que o Estado pudesse mudar para melhor e para que outros pais e mães não chorassem sobre o túmulo de seus filhos, como aconteceu conosco”, afirma Xavier.
Recados pela cidade – Apócrifas, faixas espalhadas pela Capital não deixaram cair no esquecimento a existência da “milícia” que tinha planos para matar “de picolezeiro a governador” em Mato Grosso do Sul.
A frase em latim inscrita em algumas delas indicavam, porém, a possível autoria. “Filius meus te non relinquam” ou “Meu filho eu não vou te deixar” foi o recado que o ex-PM fez questão de registrar para quem quisesse ver, mas na conversa com a reportagem, ele garantiu que não é o único autor do protesto silencioso. “São muitas vítimas. Pessoas que morreram e que são de famílias que foram ameaçadas, e de situações que nem vieram a público”.
O policial aposentado diz não mais temer pela própria vida. “Não me escondo. Tenho um trabalho que me obriga a ir para fora do Estado. Mas tudo o que eles podiam fazer de mal para mim, já fizeram. É algo tão terrível, que não desejo para ninguém. Me mataram duas vezes”.
O júri – Considerado pelo MP como depoente de caráter imprescindível, o pai diz estar pronto para encarar, mesmo que por videoconferência, os acusados do assassinato do filho. Não procurou consultoria jurídica parar se preparar. “Vou falar exatamente aquilo que eu sei. A verdade. Só isso. Não preciso de preparação. A minha preparação é em Deus, porque eu tenho certeza absoluta de que ele [Name] é o mandante e tenho certeza absoluta de que o Marcelo Rios e o Valdenilson participaram ativamente dessa execução”.
O ex-PM também não contratou assistência de advogados para a acusação, como podem fazer famílias de vítimas. Ele confia no trabalho dos promotores que terão a missão de convencer os jurados da trama para matá-lo e que acabou tendo como alvo o filho. “Tenho plena certeza da condenação. E com a sentença, eu acredito que as almas de várias vítimas que não tiveram justiça vão descansar. A condenação dele [Jamilzinho] vai ser a primeira de outras que virão. Se já houve uma divisão de águas com essa operação, essa condenação vai ser para purificar. Com a morte do Jamil Name e a confirmação que o Jamilzinho continuará preso, testemunhas e famílias de outras vítimas vão começar a falar, porque as pessoas que têm medo vão acreditar na Justiça”.
O júri de Jamilzinho e companhia está marcado para acontecer entre os dias 17 e 20 de julho em plenário do Fórum de Campo Grande. Durante os quatro dias, sete jurados se debruçarão sobre os argumentos da acusação e defesa para decidir se o trio é ou não culpado pelo assassinato.
Morto por engano – A investigação da Polícia Civil apurou que Xavier era desafeto do grupo comandado pelos Name. Ele teria traído a confiança do clã, ao supostamente se aliar a pessoa com quem a família teve desacerto. Conforme a acusação, a situação “ensejou nos mandantes sentimento de traição, inadmissível no contexto vivido pelos líderes, que chefiavam organização criminosa fincada na prática ordinária de delitos em regime de chefia e subalternidade, que pressupõe confiança e fidelidade, no qual o abandono do grupo, especialmente para aliar-se a rival comercial, configura grave ato de perfídia”.
Ainda conforme apurou a Omertà – força-tarefa que contou com investigadores da Polícia Civil e do Gaeco (Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado –, as tarefas determinadas pelos Name eram desempenhadas por vários núcleos “destinados a diversas ações de interesse dos seus líderes, que variavam, dentre outras atividades ilícitas, desde a cooptação e corrupção de agentes de segurança pública, até a prática de homicídios em atividades típicas de grupos de extermínio”.
Matheus Coutinho Xavier foi assassinado no dia 9 de abril de 2019. O ataque aconteceu por volta das 18h. A investigação apurou que ele foi morto por engano, pois estava manobrando o carro do pai. O rapaz foi atingido com sete tiros e o disparo fatal foi na base do crânio.
Jamil Name teve o nome excluído do processo depois de sua morte, em maio de 2020, vítima de covid-19. O processo foi desmembrado para outros dois réus, por estarem foragidos: José Moreira Freire, o “Zezinho”, e Juanil Miranda Lima.
Os dois, segundo a acusação, seriam os pistoleiros, responsáveis pela execução. “Zezinho”, que foi morto em troca de tiros com a Polícia Militar em Mossoró (RN), em dezembro de 2020, também teve nome excluído.
Juanil Miranda está desaparecido e é considerado foragido. Neste caso, a Justiça determinou a suspensão dos trâmites até que ele seja recapturado.
Fonte: CGNews
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