Direita de MS se movimenta de olho no capital político de Bolsonaro

Maior ativo eleitoral da direita de Mato Grosso do Sul, o bolsonarismo é alvo de disputa de caciques. No limbo desde que seu presidente, o tenente coronel Aparecido Andrade Portela, o Tentente Portela, caiu em desgraças pelas fortes suspeitas de operar na arrecadação de dinheiro para financiar a frustrada tentativa de golpe, em 2022, o PL virou a noiva mais cobiçada do PSDB e PSD no Estado.

Líderes regionais como o governador Eduardo Riedel, o ex-governador Reinaldo Azambuja e o senador Nelsinho Trad travam nos bastidores uma discreta disputa pelo prestígio do ex-presidente Jair Bolsonaro, a cujo destino se atrelaram os interesses regionais: se Bolsonaro der sinal verde e aceitar que o comando saia das mãos do Tenente Portela, a direita regional pode se fundir, juntar-se numa federação ou, caso a disputa se mantenha, um deles assumir o PL com apoio da cúpula nacional do partido.

Um dos políticos ouvidos pelo Campo Grande News sob reserva diz que políticos que hoje ainda estão no ninho tucano, como Reinaldo Azambuja, não hesitariam em assumir o comando do PL no Estado se Bolsonaro, hoje inelegível, passar a apoiar abertamente uma eventual candidatura presidencial do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. Mas a decisão teria de ser tomada antes que a direita se dilua em vários candidatos no primeiro turno das eleições presidenciais do ano que vem para formar uma frente. Azambuja também articula a fusão do PSDB com outros partidos, entre eles o Podemos.

É consenso entre os políticos de olho no destino do PL, que Tarcísio é o único nome da direita sobre o qual o ex-presidente não tem resistência, embora insista em manter sua candidatura – como fez até a última hora o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, da prisão, em 2018. Ele também teria de abrir mão de indicar um nome do clã Bolsonaro, o deputado Eduardo Bolsonaro ou a ex-primeira dama, Michele Bolsonaro. Na avaliação dos caciques, Bolsonaro mantém um considerável capital político no Estado.

Em 2022, na onda em que elegeu a maior bancada no Congresso no primeiro turno, ele venceu o presidente Lula no Estado com uma diferença de 19%, elegeu dois deputados federais desconhecidos à época (o advogado Marcos Pollon e o agropecuarista Rodolfo Nogueira), três deputados estaduais e ainda convenceu a senadora Tereza Cristina, do PP, a incluir na sua chapa, como primeiro suplente, justamente o enrolado Tenente Portela. Por sugestão de Bolsonaro, depois dos abalos causados pela delação do ex-Ajudante de Ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, o presidente do PL submergiu. Foi “pescar”, como recomendou o ex-presidente. Procurado pela reportagem do Campo Grande News, não atendeu.

Sua situação é tão complicada que na denúncia que ampara a ação penal que tornou o ex-presidente e mais sete integrantes do núcleo central réus no Supremo Tribunal Federal, o procurador Paulo Gonet ressalvou que as atividades de Portela serão analisadas separadamente. Isso significa que, já indiciado pela PF, ele deve ser incluído na próxima leva de denunciados.

Selfie de Nelsinho Trad também durante visita do ex-presidente ao Estado. (Foto: Reprodução)
Quando o movimento já fazia água, no dia 26 de dezembro de 2022, conforme consta nos autos do processo, Portela telefonou para Mauro Cid usando linguajar cifrado para informar que estava sendo cobrado pelos ruralistas que haviam doado o dinheiro que bancou os acampamentos em frente aos quartéis e apostavam no golpe. Acabou se enrolando. “O pessoal q colaborou c a carne, estão (sic) me cobrando se vai ser feito mesmo o churrasco. Pois estão colocando em dúvida, a minha solicitação”, disse ele a Mauro Cid.

Este respondeu, segundo a denúncia, demonstrando que apesar da proximidade do fim do governo, ainda existia, sim, expectativa de que novos acontecimentos ainda poderiam resultar na ruptura: “ponto de honra! Nada está acabado ainda da nossa parte. Se quiser eu falo com eles… para tirar da sua conta”.

Mais tarde Mauro Cid explicou que Bolsonaro “deliberadamente estimulava a expectativa da população” na esperança de provocar uma ação que justificasse a intervenção das Forças Armadas.  Diz que Portela realmente era amigo de Bolsonaro e “incentivava a realização de ações que possibilitassem a ruptura institucional”.

Tenente Portela, durante entrevista ao Campo Grande News, em maio de 2024. (Foto: Arquivo/Alex Machado)
Ao perguntar “se o churrasco seria feito”, frisa o delator, Tenente Portela estava cobrando a efetivação do golpe, pois ao dizer “o pessoal que colaborou com a carne”, estava se referindo a pessoas do agronegócio que contribuíram financeiramente para a mobilização e manutenção de inúmeras pessoas na frente dos quartéis”.

Cid diz que o ex-presidente sempre dava esperanças de que algum fato convenceria as Forças Armadas a “concretizarem” o golpe. É essa a razão, segundo Cid, que levou Bolsonaro a não desmobilizar os manifestantes acampados que pediam intervenção militar. PF e PGR afirmam que o militar arrecadou recursos que bancaram os acampamentos.

Mas ainda buscam elos com os financiadores que doaram R$ 100 mil, entregue pelo ex-ministro e ex-candidato a vice de Bolsonaro, o general quatro estrelas Walter Braga Netto, a Cid e outro militar, o tenente coronel Rafael Martins, para custear as ações dos agentes das Forças Especiais do Exército, os chamados Kids Pretos.

O deputado federal Marcos Pollon (PL), em sessão no Plenário. (Foto: Arquivo/Câmara dos Deputados)
“É tudo muito fantasioso, um enredo de filme de ficção sobre um suposto golpe. Acredito que Portela falava mesmo de um churrasco”, afirma o deputado federal Marcos Pollon. Para ele, as investigações que estão se transformando em ações penais são perseguições. “É um processo inconstitucional que com o tempo vai acabar”.

O problema para a política é que Tenente Portela não é um simples suspeito. Ele tem 55 anos de amizade com Bolsonaro. Se conhecem desde que serviram no 9º Grupo de Artilharia de Campanha, em Nioaque, entre 1979 e 1981, respectivamente, como tenente e soldado. Além da vida militar, pescavam, garimpavam e até incursionaram pelas veredas do agro, com frustradas plantações de arroz e melancia, atividades que geraram anotações negativas no histórico militar de Bolsonaro.

Nos 69 dias depois do segundo turno, Portela esteve com Bolsonaro, em Brasília, 34 vezes. Era um dos poucos com livre trânsito nos Palácios da Alvorada e do Planalto. Pollon lembra que no Estado muitos políticos, por conveniência, se dizem próximos a Bolsonaro, mas “o amigo mesmo” é o Tenente Portela que, mesmo antes da eleição de 2018, cultivava a amizade com o ex-presidente e, na sua opinião, deve continuar comandando o PL de Mato Grosso do Sul. Primeiro tenente reformado, ex-agente de inteligência do Exército, o militar teria virado senador caso Bolsonaro tivesse vencido a eleição ou obtido sucesso no golpe: presidente, ele chamaria Tereza Cristina de volta para o Ministério da Agricultura, abrindo a vaga para o amigo. O futuro do PL e de seu presidente está agora nas mãos da PGR, do STF e das sempre imprevisíveis decisões de Bolsonaro.

Fonte campograndenews

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