Sem bloqueadores de sinal e sem combate efetivo da corrupção entre servidores, as cadeias de Mato Grosso do Sul se tornaram verdadeiros escritórios conectados com o mundo para detentos que comandam organizações criminosas a partir das celas da Agepen (Agência Estadual de Administração Penitenciária).
Assim, esquema supostamente organizado em parceria entre presos faccionados e servidores da administração penitenciária corrompidos teriam transformado as ‘telecomunicações ilegais’ um negócio milionário nas cadeias da Agepen.
Não importa o tamanho da prisão, todas estariam comprometidas, mostram inúmeras ocorrências policiais que apontam como mentores intelectuais detentos sob responsabilidade da Agepen. Isso sem falar dos constantes flagrantes de celulares e até explosivos ‘guardados’ pelos bandidos na segurança das cadeias.
Mina de ouro nas cadeias da Agepen
Segundo servidores da Sejusp (Secretaria de Justiça e Segurança Pública), na cúpula da Agepen muitos embalam o discurso de que ‘se cortar celular, as facções acabam com as cadeias’.
“Se quem tem que investigar quiser ir a fundo, vai achar muitos servidores com patrimônios incompatíveis com os salários oficiais. O negócio está descarado. Como o sistema prisional de MS sustenta presos de todo o Brasil que caem aqui por tráfico de drogas, essas cadeias da Agepen viraram uma mina de ouro”, denuncia.
Aproximadamente 6 mil detentos têm acesso ao serviço garantido dos ‘voz‘, como são chamados os presos que mantêm e agenciam celulares. No complexo penitenciário da Máxima, em Campo Grande, por exemplo, basta ter dinheiro para pagar.
Máxima tem aluguel de celular para presos a R$ 50 por 15 minutos
No Presídio Jair Ferreira Carvalho, conhecido como Máxima porque deveria ser uma “penitenciária de segurança máxima”, o suposto esquema garantiria a entrada de smartphones e acesso dos presos a ligações telefônicas, internet, aplicativos de mensagem e até redes sociais.
Em entrevista ao Jornal Midiamax, usando celular dentro da própria unidade prisional, detentos confirmam que os aparelhos chegam a ser alugados a R$ 50 por cada 15 minutos de uso, ou são trocados por pequenos favores dentro ou fora da cadeia.
A reportagem confirmou que o entrevistado consta na lista dos detentos custodiados e deveria, pela lei, estar isolado do livre convívio social.
“Se eu tô sem condições, tem ‘voz’ que ajuda a gente aí na moral e cede uma ligação em troca de um serviço aqui dentro, ou de um corre que posso pedir para alguém meu lá fora desenrolar”, explica.
Detento tiktoker e consórcio de armas por celular nas cadeias da Agepen
Dessa forma, inúmeros presos da Máxima em Campo Grande participam ativamente de grupos no aplicativo WhatsApp com familiares e com comparsas livres que agem do lado de fora.
Conforme relata o policial penal que conversou com o Jornal Midiamax sob condição do sigilo, os celulares sustentam os famosos golpes por telefone, como do ‘falso sequestro’, ‘Pix de conhecidos após roubo de perfis’.
Além disso, o comércio de armas de fogo em regimes como empréstimo, permuta e até consórcio é outra atividade ilegal sustentada nas celas da Agepen com o uso de celulares e livre acesso à internet ou linhas telefônicas.
“Até detento ‘tiktoker’, a Máxima tem. É inegável que, depois que a PM se afastou das revistas esporádicas, por brigar por adicional, a coisa correu mais solta”, revela servidor público lotado no sistema prisional de MS.
Recentemente, um dos golpes aplicados por celular a partir de uma das unidades da Agepen chegou a virar piada e viralizar na internet, tamanha despreocupação com a ilicitude das ligações.
Como entram os celulares nas cadeias da Agepen?
Uma das formas dos celulares entrarem na Máxima, conforme denúncias recebidas pelo Jornal Midiamax, aproveitaria o acesso de empresas terceirizadas que entregam produtos nas unidades prisionais.
A reportagem conversou com o responsável por uma dessas empresas citadas por um agente penal. Ele negou qualquer participação no esquema, mas admitiu que é uma preocupação constante porque tem funcionários que precisam entrar no presídio.
Cuidados como a carga ser lacrada e apenas quatro funcionários fazerem o carregamento do produto seriam formas de coibir o uso da oportunidade no esquema dos celulares, segundo a gerente da empresa. Ele também garante que o veículo usado é rastreado por todo o caminho, e seria deslacrado apenas pelos agentes penais. Além disso, toda a carga passaria por escaneamento para detecção de metais.
A criatividade dos presos, aliada ao suposto conluio com servidores que fariam ‘vista grossa’, criou verdadeiro serviço de entrega de produtos como cigarro, drogas, baterias e celulares com o arremesso de ‘pombos’, como são chamados pacotes jogados por cima dos altos muros da Máxima para dentro do presídio.
E os ‘pombos’ foram modernizados. Agora, criminosos usam drones para arremessar os pacotes. Há duas semanas, um drone acabou apreendido nas imediações da Máxima. Nele, estavam celulares e drogas.
No dia 8 deste mês, Gabriel Silva Rodrigues Bastos, de 24 anos, conhecido como ‘Acre’, tinha o trabalho de ser o piloto de drones para o arremesso de celulares e drogas para dentro do Presídio de Segurança Máxima de Campo Grande.
Ele morreu em confronto com a Polícia Militar depois de denúncias de que vários drones estavam sobrevoando a região. Com ‘Acre’ estavam oito celulares já embalados para serem arremessados e mais quatro que ainda seriam preparados, além de oito porções de maconha.
Servidores reféns presos
Servidores que não ‘estão no pacote’ reclamam que muitas vezes precisam ser coniventes com o esquema. “Se denunciar, vira alvo ou morre. Corre muito dinheiro. Um voz desses chega a rachar 5 contos por semana do aluguel do celular com quem tá junto”, revela um servidor da Agepen.
Além disso, a entrada livre de celulares e sinal de internet deixa todos os servidores reféns. “Esses caras têm sinal melhor que o nosso. E acesso a todo tipo de informação. São vários casos de colega que recebe ‘recado’ de bandido dizendo que sabia a rotina da família da gente lá fora e tudo. Como combater isso?”
MPMS não respondeu sobre atuação no caso
Desde que começou uma série de reportagens denunciando o livre acesso de celulares aos presos nas cadeias da Agepen, o Jornal Midiamax acionou o MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) para saber se os ilícitos são alvo de algum procedimento por parte do órgão ministerial e aguarda resposta.
A Agepen e a Sejusp em nota disseram que:
“Atualmente a Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário (Agepen), realiza estudos para a contratação de tecnologia/solução para bloqueio de sinal de celular, bem como, de drones em unidades prisionais do Estado de Mato Grosso do Sul. Como medida para evitar o ingresso de celulares e outros itens nos presídios do Estado, a Agepen utiliza atualmente scanners e aumentou o rigor nas revistas. Além disso, estão sendo implantadas telas em pátios de diversas unidades prisionais, entre elas a Penitenciária de Segurança Máxima de Campo Grande. Por fim, a Agepen estuda o contínuo uso de drones para fiscalizar as unidades prisionais, bem como busca tecnologia anti-drones, para sanar a questão do lançamento de equipamentos no interior dos pátios das unidades prisionais.”
O Sinsap (Sindicato dos Servidores da Administração Penitenciária de MS) não respondeu aos questionamentos sobre corrupção entre os agentes penais. O espaço segue aberto para futuras manifestações.
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