Fiscalização realizada pelo Imasul (Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul), em fevereiro passado, atesta o relato de moradores da região do bairro Nova Campo Grande sobre a emissão de mau cheiro vindo do frigorífico da JBS/SA, na Avenida Duque de Caxias, em Campo Grande.
O Parecer Técnico Nº 052/2024, elaborado a partir de vistorias em 17 e 19 de fevereiro deste ano para investigar o fedor, evidencia que a fedentina não dava trégua nem durante a madrugada – como já foi noticiado pelo Midiamax a partir de relatos da população. As fiscalizações também resultaram em uma multa de R$ 100 mil para a planta frigorífica devido ao lançamento irregular de resíduos.
O mau cheiro virou alvo de protestos, agendamento de audiência pública na Câmara de Vereadores e de 70 processos de moradores que pedem indenizações por danos morais coletivos ambientais e pela desvalorização dos imóveis.
Outro relatório do Imasul, feito a partir de vistoria em outubro de 2023, “livrava” o frigorífico pela culpa do mau cheiro ao dizer que odores eram “intrínsecos da atividade”. Contudo, fiscalização deste ano atestou que a planta, de fato, emitia uma fedentina perceptível na região.
A vistoria recente analisou os seguintes pontos:
- Campo (captação de água; tratamento de efluentes: linha verde e linha vermelha);
- Fábrica de farinha de ossos;
- Graxaria;
- Tratamento secundário em lagoas;
- Documentação.
Mau cheiro vem da fábrica de farinha de ossos
A fábrica de farinha de ossos recebe os ossos e vísceras não comestíveis e é responsável pelo cozimento e transformação da matéria em farinha para base de ração animal.
Conforme aponta o parecer técnico do Imasul, as emissões atmosféricas referentes ao cozimento e secagem do material que ocorrerem dentro da fábrica de farinha de ossos passam por um sistema de filtração de gases.
A vistoria feita em 17 de fevereiro constatou que a tubulação do sistema de tratamento de gases e a cobertura da indústria na fábrica de farinhas de ossos apresentavam manchas de coloração escurecidas.
Segundo os agentes fiscalizadores, isso evidenciaria vazamento ou escape de gases, o que demonstraria a falta de manutenção frequente do sistema, “mesmo após o conhecimento de denúncias de forte mau odor. […] Isto posto, pode ocorrer em horários de maior produção e temperaturas elevadas fazendo com que o ar fique sobrecarregado, trazendo odores fortes e fumaças mais escuras”, relataram os fiscais.
Além disso, o supervisor de manutenção que acompanhou a fiscalização informou que a indústria operou atividades até às 2h da madrugada do dia 17 de fevereiro. “Corroborando, com as informações relatadas pelos moradores nas imediações, de que houve odor pungente no período noturno, na mesma data”, atestam.
Já a fiscalização feita em 19 de fevereiro constatou que as tubulações do sistema de tratamento de gases e a cobertura da indústria não apresentam manchas escuras, demonstrando que foi feita uma intervenção na manutenção e limpeza das estruturas.
Assim, os fiscais atestaram que a manutenção evidenciou que o sistema de tratamento de gases “de fato apresentava desconformidades, o que causou mau odor percebido pela vizinhança”. O resultado do relatório corrobora com o relato de vários moradores que apontavam o momento da queima de ossos como origem do cheiro podre que empesteava a região.
Assim, JBS/SA foi notificada a apresentar relatório de monitoramento das emissões atmosféricas do empreendimento, visto o Programa de Emissões Atmosféricas e o Programa de Qualidade do Ar conforme as condicionantes específicas da RLO (Renovação da Licença de Operação) Nº 134/2019.
Lançamento de efluentes no córrego Imbirussu
As fiscalizações também apontaram irregularidades nos lançamentos de resíduos. A JBS/SA é responsável por devolver o efluente tratado para o local final de lançamento, o que no caso seria o corpo hídrico do Córrego Imbirussu.
Durante uma das vistorias, foi constatado um encharcamento do solo com efluentes próximo ao destino final. Um dos responsáveis técnicos do local, que acompanhou a vistoria, alegou que houve um entupimento da tubulação dias antes devido à entrada de uma tartaruga, o que teria gerado o extravasamento.
De acordo com os fiscais, essa situação poderia acarretar problemas no desenvolvimento da vegetação local devido ao acúmulo de compostos poluentes que seriam autodepurados no corpo hídrico. Ainda havia o risco de atingir os lençóis freáticos e causar dano ambiental.
Também foi observada a presença de resíduos domésticos e de vegetação no final do emissário. Assim, os agentes reforçaram a necessidade para que o emissário seja mantido limpo e sem obstruções que impeçam a passagem de efluentes.
Outras avarias e acúmulo de resíduos
Outros locais em que foi apontado o acúmulo de materiais foram os tanques que fazem tratamento de resíduos. Os fiscais constataram avarias na base do tanque que une as linhas verde e vermelha (equalização) no local.
Os sistemas apresentam dois tipos de tratamentos: a linha verde, responsável pelo tratamento do efluente gerado pela limpeza do ambiente e caminhões onde ficam animais, esterco e urina. Já o segundo tipo é a linha vermelha, em que é feito o tratamento de sangue, vísceras e ossos advindos do processo industrial.
Série de acordos com MPMS e multa de meio milhão não acabam com ‘fedor sem fim’ em Campo Grande
Em um dos locais foi verificado extravasamento de efluentes líquidos diretamente no solo sem proteção e a céu aberto. “Os vestígios do extravasamento denotavam não ser recente, visto que em parte do local os resíduos já haviam percolado o solo”, afirmaram os fiscais.
No parecer técnico consta que uma equipe de manutenção da empresa foi acionada e realizou o reparo do rompimento, “cessando o extravasamento”. Também teria sido feita a cobertura do extravasamento com o solo.
Multa de R$ 100 mil e oito providências
A fiscalização do Imasul resultou em multa de R$ 100 mil para a JBS/A por infringir o artigo 62 do Decreto Federal 6.514/08, inciso V, que envolve “lançar resíduos sólidos, líquidos ou gasosos ou detritos, óleos ou substâncias oleosas em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou atos normativos”.
Além disso, a JBS foi notificada a adotar oito providências que envolvem apresentação de documentos e providenciar um projeto de recuperação de áreas afetadas pelo extravasamento de efluentes.
Confira quais providências a empresa deverá adotar:
- Prestar esclarecimentos acerca da suposta intervenção realizada no intervalo das fiscalizações entre 17 de fevereiro e 19 de fevereiro;
- Apresentar o protocolo dos relatórios de todos os monitoramentos de todas as emissões atmosféricas realizadas durante a vigência da licença;
- Apresentar documento comprobatório referente à destinação dos resíduos orgânicos gerados pela empresa;
- Apresentar certificado emitido pelo Corpo de Bombeiros referente à vistoria realizada em agosto de 2023;
- Apresentar os protocolos do PAM da condicionante n° 5 da RLO 134/2019, referente ao ano de 01/03/2023 a 29/02/2024;
- Providenciar projeto de recuperação para as áreas afetadas pelo extravasamento do efluente, tanto dentro do empreendimento quanto próximo ao corpo hídrico;
- Apresentar relatório técnico acompanhado de registro fotográfico e ART do técnico responsável, demonstrando as medidas mitigadoras adotadas e a destinação final dada aos resíduos;
- Apresentar escala de abate mensal nos últimos três meses.
O que diz a JBS?
O Midiamax entrou em contato com a multinacional JBS/SA para solicitar uma nota sobre o tema, mas até a publicação desta matéria não obteve retorno. O espaço continua aberto para manifestações.
Multa de meio milhão
Vale lembrar que o MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) já havia feito TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) com a mesma unidade, em 2009, devido a problemas ambientais ligados ao cheiro podre.
VÍDEO: Moradores relatam ‘pior madrugada’ de fedor e pedem denúncia de frigorífico em Campo Grande
Ou seja, este é um problema que se arrasta há 14 anos sem solução. Além disso, no decorrer do processo, a indústria chegou a pagar multa de R$ 500 mil (meio milhão de reais), mas o problema persiste e tem piorado neste ano.
Desde janeiro, o Midiamax tem compartilhado o sofrimento dos moradores do Nova Campo Grande e região, que são privados até do sono, visto que o fedor persiste até durante a madrugada.
Muitos são obrigados a se trancar em casa para fugir do mau cheiro. A situação dramática piora nos dias de calorão e tempo abafado, o que não tem sido raro em Campo Grande diante das últimas ondas de calor.
Relembre: Problema antigo, mau cheiro piora na região do Nova Campo Grande e tira sono de moradores
“Às vezes, a gente tá almoçando e é muito fedor. É todo dia, tem dia que está mais forte e tem dia que está mais fraco, fica até chato receber alguém em casa, nem ventilador vence”, relatou uma moradora para o Midiamax.
“Todo mundo reclama, dá até vergonha de trazer uma visita para jantar e almoçar. Antes tinha horário e com o calor nem tem como fechar a casa que fica toda com mau cheiro”, foi o relato de outro morador.
Midiamax.
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