O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), promulgou ontem a lei que impõe a tese do marco temporal para demarcações de terras indígenas. A medida determina que áreas só serão consideradas terras indígenas se houver comprovação de que ela era ocupada por povos originários quando a Constituição foi promulgada, em 1988.
Com isso, o subsecretário de Estado de Políticas Públicas para Povos Originários, Fernando Souza, teme uma escalada nos conflitos em Mato Grosso do Sul.
Para ele, a decisão do presidente do Senado de derrubar o veto do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a esse ponto do projeto de lei pode provocar reações de ambas as partes em Mato Grosso do Sul, estado com a terceira maior população indígena do País e onde há o maior número de conflitos por terras.
“É uma briga que vai longe, infelizmente, e essa situação da derrubada do veto obviamente vai tencionar, na minha avaliação, essa disputa, e isso eu vejo com muita preocupação aqui no nosso estado”, afirmou o subsecretário.
Conforme Souza, a articulação dos povos indígenas já definiu que entrará com uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF), a fim de derrubar a lei, uma vez que a própria Corte já havia descartado a tese do marco temporal em julgamento que terminou neste ano.
“O movimento indígena, por meio de toda a sua articulação, vai entrar com uma ADI no STF questionando a tese do marco temporal e, ao mesmo tempo, [pedindo] a suspensão dessa lei até que haja tramitação e julgamento do processo”, declarou o subsecretário.
Porém, é nesse espaço de tempo – entre a lei vigorar e houver a decisão sobre a ADI – que pode ocorrer uma escalada na tensão sobre as terras indígenas no Estado.
De acordo com dados da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), em MS existem 17 áreas em estudo de demarcação, enquanto outras 11 já estão declaradas como terras indígenas, 4 delimitadas, 29 regularizadas e apenas 4 efetivamente homologadas (a última etapa do processo).
“Torço para que haja diálogo e bom senso de ambas as partes e que consigamos fazer esse debate de um modo que a gente consiga chegar em um consenso até que essa lei seja julgada pelo STF”, finalizou Souza.
“Em tese, continua valendo a decisão do Supremo. Qualquer norma que seja aprovada em desacordo com essa decisão será considerada inconstitucional”
– Sandro Oliveira, professor de Direito Constitucional da UFMS
Para o professor doutor de Direito Constitucional da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) Sandro Oliveira, esse imbróglio só começará a efetivamente ser um problema a partir de fevereiro, que é quando a Justiça retorna do recesso forense e novas ações devem ter andamento, assim como o julgamento por parte do STF sobre a validade ou não da nova lei promulgada.
“Acredito que essa tese cairá novamente, porque o STF já disse que ela não é constitucional. Não vejo nenhum ministro reformando essa decisão de forma monocrática. Então, a meu ver, qualquer nova ação na Justiça será paralisada para aguardar uma decisão do Supremo sobre a lei”, afirmou.
Promulgação
O projeto de lei do marco temporal foi aprovado no Senado no fim de setembro, na mesma data em que o STF concluiu o julgamento pela inconstitucionalidade do tema.
Em outubro, Lula vetou 47 trechos do texto, incluindo o ponto principal, que estabelece a data de 5 de outubro de 1988 como referência para demarcação de terras indígenas.
Em dezembro, o Congresso derrubou 41 dos vetos impostos pelo presidente. Lula, então, tinha 48 horas para definir se promulgava ou não a lei como foi aprovada pelos parlamentares.
Como isso não ocorreu, coube a Pacheco assinar a promulgação da lei, publicada ontem no Diário Oficial da União.
Uma vez que o processo de demarcação de terras costuma se arrastar por anos, como registrado pelo STF em 2020, em um caso que perdurou por 10 anos em Santa Catarina, o imbróglio jurídico deve adiar as decisões dos órgãos envolvidos na delimitação das terras até que os Poderes cheguem a uma posição final.
Com isso, por meio do Ministério dos Povos Indígenas, a intenção do governo federal de acelerar os processos demarcatórios, principalmente na região sul de MS, não deve ser colocada em prática, pelo menos até uma nova decisão do Supremo.
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