O progresso da hidrovia Paraguai-Paraná pode decretar o fim do Pantanal. É o que alertam os cientistas no artigo publicado na revista Science of The Total Environment, na edição que será lançada em janeiro de 2024. O estudo revela que o ressurgimento do projeto de navegação conhecido como Hidrovia Paraguai-Paraná ameaça a integridade de todo o bioma.
No artigo, assinado por 42 cientistas brasileiros e estrangeiros, especialistas denunciam que o avanço da hidrovia pode acarretar danos irreparáveis ao Pantanal. Atualmente, a hidrovia tem operação concentrada na Argentina, mas há estudos para a operação em território brasileiro. O projeto prevê o aprofundamento de 700 km do canal natural do Rio Paraguai em seu trecho superior, no entanto, isso resultaria em níveis mais baixos de água e na redução do ecossistema da planície de inundação.
O Rio Paraguai que flui através do Pantanal é a última grande paisagem fluvial da América do Sul que ainda possui uma estrutura quase natural. Por isso, esse aprofundamento afetaria regiões de alto valor ecológico, incluindo parques, terras indígenas e outras áreas protegidas, reconhecidas como patrimônios mundiais e reservas da biosfera pelas Nações Unidas.
“A sua existência depende do regime natural de fluxo, que proporciona um padrão natural de cheias e secas numa vasta área”, defendem os cientistas no artigo.
Impactos socioambientais da hidrovia Paraguai-Paraná
A Hidrovia Paraguai-Paraná surgiu como um projeto de melhoria da navegabilidade e da infraestrutura da região. Nesse sentido, o aprofundamento do rio permitiria a navegação, mesmo em períodos de seca, de barcaças lotadas de itens como soja, açúcar, milho, cimento, ferro e manganês até portos oceânicos na boca do Rio da Prata e, dali, ao mundo.
O complexo hidroviário compreende a cidade de Cáceres, no Mato Grosso, até Nueva Palmira, no Uruguai, totalizando cerca de 3,4 mil quilômetros. A via fluvial percorre cinco países: Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai, passando pelas cidades de Corumbá e Assunção.
Concebido em 1980, o projeto da hidrovia surgiu com a intenção de permitir o tráfego de barcaças 24 horas por dia. Na época, diversos estudos apontavam que o tramo norte, onde está o Pantanal, seria a região mais impactada com drenagem de extensas regiões, o que resultaria na perda de biodiversidade e alteração na dinâmica ecológica de todo o sistema.
Apesar dos avanços do projeto para expansão no Brasil, a construção que pode impactar diretamente o Pantanal ainda não teve andamento no país. Em 2002, a Justiça brasileira determinou um novo estudo de impacto ambiental para que a operação da hidrovia fosse liberada. O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) também teve de reanalisar todo o projeto.
Em agosto deste ano, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, declarou que o Governo Federal vai apresentar um projeto de expansão da hidrovia até 2026. Sem detalhar o projeto, o ministro afirmou que a operação da hidrovia no Brasil é uma das prioridades da agenda internacional do presidente Lula (PT).
No mês seguinte, o Brasil e mais três países reagiram contra a decisão da Argentina de cobrar pedágio de embarcações que cruzam a hidrovia em território argentino.
Promessa de ‘progresso’ abre caminhos para destruição
Com extensão total de 165.840 km, com porções no Brasil de 151.939 km (91,6%), Bolívia 10.924 km (6,6%) e Paraguai 2.980 km (1,8%), o Pantanal é a maior área úmida contínua de água doce na Terra.
Em julho deste ano, a ONG Ecoa (Ecologia em Ação), sediada em Mato Grosso do Sul, alertou que as diversas obras que prometem trazer ‘progresso e desenvolvimento’, como a abertura de estradas em rodovias da região, podem, na verdade, estar acelerando a destruição do Pantanal.
Além dos impactos ambientais diretos, as obras vão na contramão da preservação ambiental, uma vez que estimulam a chegada de novas empresas, que, segundo a entidade, estariam mais interessadas em maximizar seus lucros do que preservar a biodiversidade e a cultura pantaneira.
Dados do Relatório Anual do Desmatamento do MapBiomas indicam que o Pantanal registrou a maior taxa de desmatamento do quadriênio em 2022. Em todo o período (2019-2022), foram 101 mil hectares desmatados, o que equivale a quase o tamanho da cidade do Rio de Janeiro (RJ).
Segundo a ONG, a falta de legislações específicas para proteger o bioma, acelera o desmatamento e a hidrovia Paraná-Paraguai é uma sentença de morte para o Pantanal.
“Na navegação dos comboios de barcaças, o megaprojeto exige obras pesadas. Seria necessário explodir rochas, acabar com as curvas dos rios e aprofundar o leito do rio Paraguai”, destaca.
Para evitar a extinção do bioma, os cientistas defendem o uso de meios alternativos para o transporte das commodities produzido em cada país, como as ferrovias.
Desastre ambiental causado pelo fogo castiga o Pantanal
Os incêndios, que mais uma vez consomem o Pantanal em 2023, podem representar um novo desastre ambiental para o bioma que sofreu ao ser consumido pelas chamas em 2020. Naquele ano, 26% do território do Pantanal foi destruído pelo fogo.
A intensa onda de calor registrada em Mato Grosso do Sul, com temperaturas entre 38°C e 43°C, aliada aos baixos índices de umidade relativa do ar, entre 10% e 30%, tem contribuído para a propagação dos focos de incêndio. Segundo o Cemtec (Centro de Monitoramento do Tempo e do Clima de Mato Grosso do Sul), essas condições são intensificadas pelo El Niño.
Neste ano, segundo ambientalistas, a nova onda de incêndios teve inícios a partir de raios registrados na região do Paiaguás, no norte do Pantanal, na região do Mato Grosso. As chamas se alastraram para Mato Grosso do Sul e o bioma tem cerca de 1 quilômetro de extensão consumido por incêndio a cada hora.
Cinco cidades de Mato Grosso do Sul decretaram situação de emergência em razão dos focos de incêndio. O Governo do Estado usa todo o aparato de combate ao fogo para tentar conter as chamas.
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